As escolas públicas de ensino médio do país escolhem, até amanhã (19), alguns dos livros didáticos que marcarão a transição do modelo de ensino atual para o chamado novo ensino médio. O prazo para a implementação do novo modelo é 2022. No entanto, por conta da pandemia da covid-19, as redes de ensino têm enfrentado problemas e dizem ainda ter muitas dúvidas sobre como implementar os novos currículos.
O novo ensino médio está previsto na Lei 13.415/2017. A intenção é tornar a etapa de ensino que concentra os piores resultados de aprendizagem e os maiores índices de abandono de estudantes mais atraente e mais próxima da realidade dos alunos.
Com o novo modelo, parte das aulas será comum a todos os estudantes, direcionada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Na outra parte da formação, os próprios alunos poderão escolher um itinerário para aprofundar o aprendizado. Poderão escolher dar ênfase a linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas ou ensino técnico.
São os estados que concentram a maior parte das matrículas do ensino médio – 84% do total no país, segundo o Censo Escolar 2020 -, mas a implementação do novo modelo não cabe apenas a esses gestores. Um exemplo é o próprio Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), coordenado pelo governo federal. Até esta sexta -feira, as escolas devem escolher as obras que irão conduzir os projetos integradores e o projeto de vida, novos componentes desse currículo. As obras disponíveis para a escolha estão no Guia PNLD 2021.
Obras
Essas obras, segundo explica o presidente da Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional (Abrelivros), Ângelo Xavier, são livros considerados de transição para o novo modelo de ensino. “Esse material é fundamental para uma transição para o novo ensino médio. Vamos deixar de ter aulas disciplinares e passar a ter aulas por áreas de conhecimento. Os professores passam a trabalhar de forma integrada”, disse.
Também para elaborar os livros, o trabalho foi em equipe, com professores de diferentes áreas. “Tivemos um processo de adaptação importante. Não foi simples, porque todos os autores e professores, historicamente, fizeram livros por disciplinas, sempre estudaram por áreas disciplinares, trabalharam junto com os pares. Agora tivemos que compor equipes multidisciplinares”, explicou.
Começo da mudança
Essa escolha é, no entanto, apenas o pontapé inicial. Segundo o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Vitor de Angelo, o desafio maior será definir os livros que serão usados a partir do ano que vem, o que deve ser feito ainda este ano. “O desafio vai ser pensar os livros didáticos para o currículo, dado que nós temos uma flexibilidade nas redes em relação ao que dar, como dar e quando dar. Como você alinha isso com o livro didático, que é uma coisa fixa e, bem ou mal, é feito para ser trabalhado em um ano?”.
Pela lei, cada rede de ensino deve cumprir o que está previsto na BNCC, mas pode ser feito, por exemplo, de forma concentrada no período inicial do ensino médio, deixando a parte final apenas para o itinerário escolhido pelos estudantes. Pode ainda ser distribuído ao longo de todo o ensino médio e ser trabalhado junto ao itinerário.
De acordo com Angelo, os estados esperam que seja publicado ainda este ano um edital para selecionar as obras que serão usadas no ano que vem já no novo ensino médio. “Qualquer atraso no PNLD pode vir a ser um problema sério. Dá para começar sem livro, mas é como começar o ano sem professor?”.
Além dos livros didáticos, para colocar o novo ensino médio de pé é necessária uma série de adequações que incluem a formação de professores e a definição dos itinerários que serão ofertados aos estudantes e de que forma eles serão ofertados, por exemplo. Angelo explicou que cada estado está em um ponto diferente de implementação e que a pandemia impactou esse processo.
“As ações de enfrentamento à pandemia trazem um desafio grande e nem sempre as redes tiveram condições de fazer esse trabalho paralelo. A solução para umas foi atrasar a implementação do novo ensino médio”, disse.
Escolas particulares
A implementação do novo ensino médio é preocupação também das escolas privadas. “As escolas têm muitas dúvidas. Não temos muitas respostas. Temos o que está na lei, mas o que vai dar o tom [da formação dos estudantes] é como será o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]”, dsse o presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Ademar Batista Pereira.
Pereira explicou que as aulas serão pautadas pelo que será cobrado no exame e pelas formas de ingresso no ensino superior. Para se adequar ao novo ensino médio, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) anunciou que haverá mudanças na estrutura do Enem, mas ainda não foi divulgado quais serão essas alterações.
“As escolas têm uma preocupação grande e o ensino superior também. Como será esse acesso? Tem também a questão dos livros didáticos. Toda essa cadeia precisa estar alinhada”, disse.
Em um contexto de pandemia, as indefinições são grandes também entre as escolas particulares. “A pandemia limita a escola a funcionar presencialmente. O itinerário de formação técnica precisa de um trabalho presencial, com laboratórios. O novo ensino médio vai muito nessa toada profissionalizante. O próprio modelo de negócio que hoje podemos oferecer está muito instável”.
CNE
Responsável por definir normas para nortear a educação brasileira e assessorar o Ministério da Educação (MEC), o Conselho Nacional de Educação (CNE) acompanha com preocupação a implementação do novo ensino médio, segundo o conselheiro Mozart Neves Ramos. “Naturalmente isso começa a ficar preocupante, não só do ponto de vista do tempo de implementação, mas das condições necessárias para essa implementação”.
Segundo Ramos, o livro didático e a avaliação são os grandes responsáveis pelo sucesso na implementação de um novo currículo. “As redes de ensino sempre se guiaram pelo livro didático, que segue sendo a grande bússola. O que impacta e leva a dar atenção [a determinado conteúdo] é a avaliação. Esses dois instrumentos são importantes indutores da implementação de qualquer mudança”, explicou.
“Quais são os grandes entraves? Em primeiro lugar a necessidade de uma coordenação nacional para a implementação de algo que é muito importante, que é a última etapa da educação básica, a mais desafiadora. Tem que ter uma coordenação nacional que não seja só repassar dinheiro. Segundo, a desigualdade da velocidade [de implementação] entre os estados. Têm aqueles que estão bem avançados, que têm currículo aprovado, e aqueles que ainda não. E tem a pandemia, que está gerando uma dificuldade enorme de colocar em prática o que foi planejado já para 2021”, apontou.
Atrasos
Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Daniel Cara, a definição dos livros didáticos, tanto nesta primeira escolha, quanto a do edital que deverá ser divulgado para a seleção das obras para o próximo ano, será fundamental para a implementação do novo modelo de ensino. Ele questiona, no entanto, se essa implementação deve ser feita em meio à pandemia.
“O PNLD é o maior programa de livro didático do mundo. Tem tradição e tem na sua consolidação ao longo do anos, uma tradição que deu certo. O livro didático, na prática, é a política curricular real. É a que chega no chão da escola e é operacionalizada na escola via PNLD. É um mecanismo de equidade”, disse. Ele ressalta que, dada a importância do programa, os conteúdos dos livros selecionados têm impacto direto na educação do país.
“A reforma do ensino médio exige uma reorganização das redes públicas e das escolas privadas muito grande. Tanto para implementar os itinerários formativos quanto para viabilizar a estruturação dos itinerários em relação ao que a gente chama de atribuição de aula dos professores. No meio da pandemia é completamente equivocado fazer o processo de implementação da reforma. Não tem como no meio da pandemia determinar como vão ser estruturados os itinerários formativos, reestruturar os contratos dos professores e estabelecer como vai ser a distribuição das aulas. Isso teria que ter sido organizado no ano passado. Na prática, com o ensino remoto, fica difícil mudar”.
Procurado, o MEC não se manifestou até a publicação da matéria.
Edição: Fernando Fraga
Agência Brasil