Preservação. Essa é a palavra que une um produtor agrícola e um artesão na Amazônia. Um produz alimentos orgânicos em uma cultura de integração da floresta para preservar o solo; o outro faz do artesanato um resgate ancestral por meio de réplicas de peças tapajônicas e marajoaras para preservação da cultura e da história. Os dois, junto com outras iniciativas, estão sendo objeto de visitas do Sebrae Nacional em parceria com o Sebrae Pará e o Escritório Regional do Baixo Amazonas, irão implementar na Amazônia iniciativas que apoiarão o desenvolvimento setorial e irão potencializar negócios conectados com a bioeconomia, inserindo-os na rota da COP30.
O produtor agrícola, José Cunha, 59 anos, atua em uma dessas iniciativas. Ele reafirma a paixão pela agricultura. Morador do município de Mojuí dos Campos (PA), é natural de Monte Alegre (PA) e produz hortaliças e frutas das mais variadas espécies em um terreno de três hectares e meio, junto com a esposa Elizabete Ramos, que atua na gestão financeira do negócio.
Dentro de um Sistema Agroflorestal – em que o produtor planta e cultiva árvores e produtos agrícolas em uma mesma área – Cunha protege e enriquece o solo garantindo que diferentes espécies agrícolas trabalhem juntas. Em seu cultivo, por exemplo, bananeiras são “vizinhas” de jerimuns (como é chamada a abóbora no Pará); que por sua vez, são vizinhas de jatobás, cumarus, goiabeiras, cebolinhas, coentros, cupuaçu, andiroba, ipê, taperebá, limão e diversos outros.
Com esta cultura de plantio, Cunha conseguiu recuperar o solo que antes era considerado infértil. O produtor cultiva ainda o açaí com tecnologia de melhoramento genético da Embrapa que permite que o fruto cresça em galhos baixos facilitando, portanto, a colheita.
Quando comecei a trabalhar neste espaço, há mais de dez anos, era uma área degradada que não conseguia mais produzir, porque antes era usada a prática antiga e ainda muito comum de queimar os terrenos. Com muito trabalho, eu recuperei todo esse terreno investindo em matéria orgânica, usando sistema de tecnologia de reprodução do solo, compostagem e produtos biológicos obtidos da própria natureza. E hoje, posso dizer com muito orgulho que temos um solo fértil onde tudo que plantamos tem resultado.
José Cunha, produtor.
A sabedoria e o extenso conhecimento de plantios foram adquiridos ao longo de muitos anos de lida com a agricultura e a parceria com o Sebrae também é de longa data. Em 2005, José Cunha foi beneficiado pelo Programa de Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (PAIS), iniciativa apoiada pelo Sebrae que alia criação de animais à produção agroecológica com técnicas sustentáveis e de preservação ambiental.
E a parceria não ficou por aí. Durante um período, morou em Macapá (AP), e junto com o Sebrae ajudou a modificar o setor de produção do estado onde chegou a ser coordenador do Cinturão Verde aumentando a capacidade de produção do estado de quatro para vinte hortaliças.
Em Santarém, a colaboração com o Sebrae ajudou a impulsionar a Associação Tapajós Orgânicos, que é um Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade Orgânica (OPAC). Cunha é coordenador e trabalha com 23 produtores da região que vendem os produtos em duas feiras de orgânicos de Santarém (PA) e também para a merenda escolar por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
“O Sebrae sempre foi meu parceiro e eu quero continuar essa parceria para potencializar os orgânicos. Nós que somos pedaço da Amazônia temos que defender esta ideia, pois o orgânico no Brasil é na base da resistência e eu trabalho porque amo a agricultura e quero produzir sem agredir a natureza”, finalizou.
Cerâmica e memória
Com a mesma paixão pelo trabalho, o arqueólogo, pesquisador, artesão ceramista e mestrando Jefferson Paiva, de 42 anos, morador de Santarém (PA), produz réplicas da cerâmica tapajônica e marajoara. Ele representa a terceira geração da família a trabalhar com a arte.
“A minha ligação com a cerâmica veio dos meus avôs, que passaram o conhecimento pro meu pai que me passou e que eu busco repassar para meus filhos. Em Santarém, na década de 1970 tinha um grande arquivo arqueológico na região e meu avô percebeu que os turistas compravam as peças. Então ele começou a reproduzi-las com o intuito de renda, sem se dar conta que estava trazendo de volta uma cultura indígena ancestral que já estava quase extinta”, explicou Jefferson.
A cerâmica tapajônica é o artesanato mais antigo do povo da região do Tapajós, produzido há mais de 6 mil anos pela tribo indígena Tapajós. As peças representam vasos de gargalo, vaso de cariátides e outros utensílios que misturam corpos humanos e animais. Já a cerâmica marajoara retoma as peças produzidas por indígenas que habitaram entre meados dos anos 400 e 1400 na Ilha do Marajó (PA) e também representam figuras humanas e animais.
Quando olho pra cerâmica tapajônica e marajoara eu percebo o cotidiano da época, o que aquela peça quer representar, os simbolismos da ancestralidade indígena. Eu procuro sempre replicar a peça com o máximo de detalhes para que as pessoas possam ter o contato que não têm em um museu por exemplo. Mas embora sejam muito similares às originais, cada peça tem o meu nome e o ano que foi produzida para não parecer que é uma original.
Jefferson Paiva, artesão.
Para produzir as peças, o ceramista retira o barro das margens do Rio Amazonas em uma área privativa e sempre com a autorização do dono do espaço. A extração é feita somente uma vez ao ano para que a natureza tenha tempo de se recuperar e não haja agressão do espaço.
O artesão conta que a parceria com o Sebrae já vem de família e que a empresa é uma grande apoiadora da sua arte. “Na década de 1990, meu pai já trabalhava em parceria com o Sebrae, mas a minha relação começou em 2018, quando firmei parcerias e pude expor minhas peças em diversos locais do Brasil que me levaram a demais países. Tenho peças expostas no Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro (CRAB), também expus na Feira do Artesanato do Círio em Belém onde fui contactado por clientes da Tailândia. Então o Sebrae mantém sempre as portas abertas para mim”, salientou.
Paiva também já recebeu prêmios como o da 35ª edição do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e dissemina seu legado ministrando oficinas em seu próprio ateliê ou em escolas.
“Tenho a preocupação em deixar algo para o futuro. Eu via a cerâmica muito retraída e agora somos referência no Brasil. Fui convidado a expor no Museu do Louvre em Paris, será mais uma oportunidade de estar junto ao Sebrae, mostrando a valorização da arte e do pequeno empreendedor. Então, ver a nossa cerâmica, que resgata a nossa ancestralidade, saindo de Santarém e ganhando outros espaços, me alegra muito. E com a COP 30 tenho cada vez mais convicção que chegou a hora da nossa cultura, da nossa arte”, finalizou Paiva