Maria da Conceição Tavares, morreu nesse sábado (8) aos 94 anos, permanecerá como pensadora fundamental para entender o Brasil, a partir de meados do século passado quando vem morar no país.
Mulher com compromisso político e extenso conhecimento sobre filosofia, história e realidade nacional, era uma intelectual combativa e professora exigente. Ao mesmo tempo era pessoa delicada e afetuosa com seus alunos e com seus colegas – mesmo de quem discordasse.
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O perfil da principal economista brasileira, de origem lusitana e naturalizada brasileira em 1957, foi desenhado por colegas e ex-alunos de Tavares ouvidos pela Agência Brasil.
“Ela era amiga dos amigos. Uma pessoa calorosa e muito inteligente”, recorda-se o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e colega de trabalho Maria Conceição Tavares por 20 anos naquela universidade.
De acordo com Belluzzo, a economista “sempre foi inquieta e discutia com muita intensidade.” Nos debates, usava a divergência para suplantar as controvérsias. “No final, dava um salto. Discordava para avançar no conhecimento.”
Nota 10
Conhecer, assim como ensinar, foi um propósito de vida de Conceição Tavares. Matemática formada pela Universidade de Lisboa chegou ao Brasil em 1954. Três anos depois, matriculou-se no curso de Economia da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde foi aluna de Otávio Gouveia de Bulhões e de Roberto Campos, dois economistas que comandaram anos depois, no início da ditadura civil-miliar, os ministérios da Fazenda e do Planejamento, respectivamente.
Segundo Maria da Conceição Tavares, apesar de discordar dos dois professores, ganhou “10” de ambos. Bulhões a deixava “dizer o que quisesse”; e Roberto Campos, que “a chateava nas aulas por causa da inflação, prezava muito a inteligência analítica”, disse a economista em depoimento publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) quando fez 80 anos, em 2010.
Outro ex-ministro da Fazenda durante a ditadura, e economista de matiz liberal, Mário Henrique Simonsen, também a respeitava. Em novembro de 1974, quando Conceição Tavares foi presa pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em quartel do Exército no bairro da Tijuca, zona norte do Rio, Simonsen pediu diretamente ao então presidente Ernesto Geisel a sua libertação.
Para Alfredo Saad-Filho, professor de Economia Política e Desenvolvimento Internacional na King’s College de Londres, Conceição Tavares foi de uma “geração de economistas brilhantes e influentes” e responsável pela formação de quadros importantes. “Uma árvore que gerou muitos economistas, inclusive dirigentes importantes e ministros de Estado.”
Séquito de admiradores
Cláudio de Moraes, professor de Macroeconomia e Finanças do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Coppead) da UFRJ, recorda-se que Maria da Conceição Tavares era “extremamente culta”, “se posicionava de maneira clara”, e “tinha um séquito de alunos admiradores”.
Em sua avaliação, “ela permanece influente até hoje”, especialmente junto aos economistas que defendem a “proteção do mercado doméstico” e a necessidade de o país contar com grandes corporações para competir no mercado internacional.
“Com o passar do tempo, ela assumiu uma postura mais política”, acrescenta Gilberto Braga, professor titular de controladoria e contabilidade do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibemec).
A atuação política foi coerente com a atividade acadêmica. “Ela sempre defendeu o papel do Estado como indutor do desenvolvimento e da despesa pública como fator de geração de riqueza econômica. Ela se contrapunha ao pensamento mais liberal que defende um equilíbrio fiscal mais rígido”, assinala Braga que teve Conceição Tavares patrona de sua turma na Universidade Cândido Mendes.
Para ele, Maria da Conceição Tavares escreveu alguns livros obrigatórios para a formação de economistas brasileiros, como Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro.
A professora Maria Malta, que leciona sobre história do pensamento econômico na UFRJ, acrescenta Acumulação de Capital e Industrialização no Brasil e Poder e Dinheiro. Uma Economia Política da Globalização, escrito em parceria com o economista Jose Fiori entre os livros fundamentais.
Na opinião de Malta, que assessorou Conceição Tavares quando foi deputada (1995 1998), a economista mantinha em seus livros, aulas e posicionamentos públicos “o compromisso de transformar o Brasil e melhorar a vida dos mais pobres, a quem se referia como aqueles que pagam a conta.”
Influências teóricas
Segundo Maria Malta, Conceição Tavares teve como influências teóricas o pensamento dos brasileiros Celso Furtado e Ignácio Rangel, do britânico John Maynard Keynes, do alemão Karl Marx e do polonês Michal Kalecki, fontes para compor “uma teoria que desse conta do subdesenvolvido brasileiro”, um pensamento “que não está superado.”
Os depoimentos colhidos pela Agência Brasil também recordam da performance de Maria da Conceição Tavares em sala de aula. “O fato de ela ser apaixonada pelos temas de economia fazia com que ela também tivesse atitudes pouco usuais em aula. Quando havia alguém que fazia perguntas que mostravam desconhecimento do que ela estava falando, do que tinha acabado de falar, ela jogava um giz no estudante”, rememora rindo o ex-aluno Pedro Rossi, hoje livre-docente do Instituto de Economia da Unicamp.
Na lembrança de Russi, Maria da Conceição Tavares “preparava muito as aulas” e sempre “se preocupava com o que iria lecionar. Ela era brilhante.”
Para a professora Maria Malta, Conceição Tavares assumia uma persona em sala de aula. “Mas no trato pessoal – por exemplo, nos jantares ou nas conversas ela chamava para o escritório que tinha no Leme -, ela era delicada e afetuosa.”