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Direitos de crianças e adolescentes têm que ser prioridade nas decisões sobre crise climática no Brasil e no mundo

Direitos de crianças e adolescentes têm que ser prioridade nas decisões sobre crise climática no Brasil e no mundo

Quando estamos frente a qualquer situação de perigo coletivo, a reação imediata sempre passa pela expressão “mulheres e crianças primeiro”. Um histórico código de conduta usado desde tempos imemoriais, pautado pela consideração evidente da maior vulnerabilidade de mulheres e crianças face a um desastre iminente.

Tamanha é a relevância disso que nossa Constituição Federal promulgada em 1988 garantiu, em seu artigo 227, que todas as crianças e adolescentes brasileiros tenham prioridade absoluta no cumprimento de seus direitos e interesses, em todas as decisões do sistema de justiça.

Devemos usar essa mesma lógica quando nosso planeta aquece a um ritmo desenfreado, com um ambiente cada vez mais hostil, onde as crianças estão entre as que mais sofrem o impacto? Sim.

Especialmente nas regiões economicamente desiguais, ainda mais sujeitas às consequências dos fenômenos climáticos violentos e imprevisíveis que andamos testemunhando.

Nas Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – em especial no percurso entre a que acaba de ocorrer, em Dubai, e a que acontecerá em Belém, em 2025 -, nossa missão é colocar a defesa dos direitos das crianças também no centro das discussões e ações sobre o clima. Incluindo-as nas negociações, promovendo a sua participação e ecoando suas vozes e necessidades urgentes. Afinal, são elas que herdarão todas os problemas ambientais que plantamos nas últimas décadas.

O Instituto Alana, entidade brasileira sem fins lucrativos focada na proteção e promoção dos direitos das crianças, trabalha junto a organizações semelhantes de vários países em busca de apoio a iniciativas que permitam que as crianças e seus direitos estejam presentes em todas as decisões e estratégias redigidas pelas COPs.

Hoje, as crianças representam um terço da população global. Segundo a UNICEF, quase metade delas – 1 bilhão do total de 2,2 bilhões – vive em condições de risco climático extremamente elevado, em áreas sujeitas a enchentes, ondas de calor e outros fenômenos severos. Estima-se que mais de uma em cada quatro mortes de crianças com menos de 5 anos esteja direta ou indiretamente relacionada a riscos ambientais.

Sabemos, portanto, que crianças são afetadas de forma única, estrutural e desproporcional pelas consequências devastadoras dos eventos extremos que têm surgido com cada vez mais frequência, impactando desde o seu sadio e integral desenvolvimento até a garantia de políticas sociais básicas como saúde, assistência e educação.

Ainda, por força do racismo ambiental e da criação de zonas de sacrifício em cidades de muros invisíveis, crianças negras, indígenas e periféricas são ainda mais afetadas pela interseccionalidade e sobreposição de vulnerabilidades e violências. E elas não são ouvidas nem consideradas em seus sofrimentos e necessidades.

Os dados são alarmantes e precisam ser destacados:

Pequenas e em crescimento, crianças e adolescentes não contribuíram com as ações que elevaram a temperatura da Terra. Ao mesmo tempo, reconhecem a importância das questões ambientais em suas vidas e sabem que suas vozes terão um impacto global como agentes de mudança na proteção ambiental. Além disso, é durante a infância que novos hábitos e visões com relação à Natureza podem ser formados e modificados.

Herdeiros do planeta, crianças e adolescentes não são, contudo, apenas vítimas. Também são agentes de mudança e desempenham um papel ativo e precisam ser considerados e ouvidos na proposta de soluções, e na tomada de decisões ambientais em temas complexos, usando ferramentas criativas para que participem e expressem suas opiniões. Hoje, há registros de diversas crianças liderando litígios climáticos nos tribunais pelo mundo, contra países negligentes e empresas poluidoras.

Graças aos esforços de organizações da sociedade civil e à participação de crianças, já foram dados os primeiros passos para incluí-las nas decisões das COP. Ano passado, na COP27, no Egito, crianças e adolescentes foram reconhecidos pela primeira vez como agentes de mudança, a partir do movimento Crianças Primeiro (#KidsFirst).

Em agosto deste ano, o Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (UNCRC, sigla em inglês), registrou pela primeira vez, que crianças e adolescentes têm direito a se desenvolverem em um ambiente limpo, saudável e sustentável.

Para garantir o cumprimento global desse compromisso, a ONU publicou o Comentário Geral n. 26 (CG26), um documento com diretrizes obrigatórias sobre os direitos das crianças e do meio ambiente, com especial enfoque nas mudanças climáticas. O CG26 faz recomendações para os 196 países signatários da Convenção e para empresas sobre a garantia dos direitos das crianças ao meio ambiente, especialmente frente às mudanças climáticas.

E a recomendação para escuta das crianças foi aplicada no próprio CG26, que contou com contribuições de mais 16 mil crianças, de 121 países, em um dos maiores processos de participação infantil já praticados pela ONU. Doze conselheiros, com idades entre 11 e 17 anos, foram convocados para apoiar o Comitê dos Direitos da Criança nesse processo, sendo três da América do Sul: Tânia, de 14 anos, do Brasil, Esmeralda, de 16 anos, do Peru, e Francisco, de 14 anos, da Colômbia.

A COP28, recentemente concluída em Dubai, foi a primeira a acontecer depois desse primeiro passo. Um pouco já se tem avançado, com reconhecimentos da vulnerabilidade de crianças no acordo do Global Stocktake, instrumento de transparência e monitoramento do Acordo de Paris, mas que ainda está longe de ser o ideal.

Atualmente, apenas 2,4% dos principais fundos climáticos multilaterais apoiam programas que levam crianças e adolescentes em consideração. Embora já bastante afetadas, as crianças não têm sido ouvidas nem tido prioridade nas discussões e negociações das COPs.

Também espera-se que as COPs trouxessem as crianças para o debate de transição justa, acordo criado para lidar com a transição a uma economia de baixo carbono sem gerar impactos sociais. Isso passa por garantir que não haja trabalho infantil e que seja reconhecido o papel das cuidadoras das crianças, no que se conhece como economia do cuidado.

As políticas, estratégias de mitigação e adaptação e financiamentos de ação climática que ignoram os direitos e o bem-estar das crianças correm o risco de ampliar as dificuldades para esse grupo demográfico já vulnerável.

Para consolidar politicamente esse plano e reverter essa condição são necessárias ações urgentes que as contemplem. Como construir uma COP centrada nas crianças (#COPdasCrianças), por exemplo.

É necessário abrir espaços de articulação e de incidência direta nas negociações para que planos de adaptação e mitigação, financiamento para perdas e danos, dentre outros mecanismos, passem a contemplar de forma ampla as necessidades específicas das crianças, além de ouvi-las nos espaços de debate e incluí-las nos acordos firmados.

Entre os objetivos de um Plano de Ação para as Crianças destacam-se:

Por isso, a futura COP-30, em Belém, terá chances de consolidar esses avanços e dar exemplo ao mundo de como integrar as crianças e seus direitos nas estratégias climáticas, deixando um verdadeiro legado para as presentes e futuras gerações.

O Brasil poderá capitanear uma revolução nos diálogos e negociações climáticas, colocando a população mais vulnerável no centro das soluções.

Assim, é fundamental o reconhecimento das crianças como um grupo excepcionalmente vulnerável que precisa de proteção e investimento especiais, com atenção especial às crianças negras, indígenas, quilombolas e ribeirinhas.

É essencial que os direitos da criança – inclusive o direito de participar – sejam integrados à ação climática e às negociações das COPs, garantindo o envolvimento nos processos de tomada de decisão em todos os níveis, e reconhecendo sua condição de sujeitos de direitos e agentes de mudança.

A proteção dos direitos da criança na ação climática precisa avançar, com ações efetivas e soluções imediatas das autoridades. Salvar as crianças em primeiro lugar e colocá-las no centro das negociações sobre o clima é uma etapa vital para uma ação eficaz e duradoura, e para soluções equitativas que enfrentem esta emergência agora no presente, para que o futuro de quem vai herdar o planeta seja próspero e esperançoso

Pedro Hartung, Doutor em Direito do Estado pela USP , pesquisador na Harvard Law School, professor na Faculdade de Relações Internacionais da FGV/SP e CEO, Instituto Alana e JP Amaral, Bacharel em Gestão Ambiental e Gerente de Natureza, Instituto Alana

Os autores não prestam consultoria, trabalham, possuem ações ou recebem financiamento de qualquer empresa ou organização que se beneficiaria deste artigo e não revelaram qualquer vínculo relevante além de seus cargos acadêmicos.

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

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